"Com a cabeça apoiada nas mãos e com uma caneta e uma folha branca em sua frente, ela corre os olhos pela biblioteca. Filosofia, ciências, sociologia, educação, matemática, física, física, física, química, química... Cada prateleira é carregada de livros coloridos, vários repetidos, livros à disposição dela, que sabe que não poderão a ajudar em todas as ocasiões. Se escuta algum ruído lá fora. É de estudantes, empolgados com mais um dia de estudo intenso. Para eles.
Esperava muito menos de hoje. Depois de chorar ontem à noite, depois de ouvir seus pais dando-lhe conselhos, agora está em paz. Compreende que nem todos são como eles: justos, bondosos, amorosos. Por isso esperava coisas ruins de hoje. Não que isso a atingisse, pois saiu de casa já muito bem acompanhada, com sua mentora espiritual e, por hoje ser uma quinta-feira, com o Arcanjo Rafael. Saiu de casa, no início da tarde, preparada para uma guerra psicológica, e não a encontrou.
O silêncio vale mesmo ouro, ela pensa. Falou mal de muita gente, mas agora só queria consertar seus erros. Hoje falou com quem devia falar e o que devia falar. As pessoas aceitaram suas desculpas, digo, disseram que aceitaram. Mas ela já não confia em mais ninguém. Ela sabe que, como ela, muitos dizem uma coisa, pensam outra e fazem outra. Mas ela procura se melhorar. O caminho da evolução, que sua mãe tanto lhe ensinara, deve ser o seu próprio caminho. Amar os outros como ama Deus, pois cada um carrega Deus dentro de si.
Todos erram, ela pensa. Lembra de quantas vezes lhe ofenderam, lembra de quando seus coleguinhas, na 5ª série, riam dela por ser estudiosa. Agora ela que ri. “Eles estavam certos, olha onde estou!”. Lembra de quantas vezes ficava sozinha numa sala cheia de gente, e por isso era chamada de estranha. Sabia que a beleza física nunca a favoreceu. Lembrou de quantas vezes a chamaram de feia, mas no mesmo segundo lembrou de seus namorados e de outros meninos que insistiam dizendo que ela era linda. Lembrou de quantas – infinitas – vezes se decepcionou com as “amigas”. Lembrou-se então desse ano. Quanta decepção! Quanto choro! Mas ela sabe que ela mesma já fez pessoas chorarem, seja na 5ª série, seja nesse ano...
Todos erram. O grande diferencial é saber reconhecer seus erros e tentar mudar.
Assim, ela respira fundo, faz o mantra do Cone de Luz Branca e vai até o bar, porque estava louca de fome."